ROSELY SAYÃO
Clipping Educacional – Folha.com
Não é escrevendo 500 vezes a frase 'Não devo correr'
que o aluno aprenderá os locais adequados para isso
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UMA MANCHETE me chamou a atenção: "Aluna é castigada
por correr na hora do recreio". O resumo da história é o seguinte: uma
garota de dez anos, que cursa uma escola municipal em Colatina (ES), desceu
correndo as escadas no recreio. Foi devidamente castigada: teve de escrever 500
(quinhentas!) vezes a frase "Não devo correr".
Claro, ela teve de cumprir a pena no horário em que cometeu a
transgressão: no intervalo. Não fosse assim, não teria sentido a punição
tampouco o efeito educativo, não é? Quanto tempo levou para dar conta do
castigo? Seis dias. Seis dias sem recreio.
Você já teve a oportunidade de ver "in loco" a hora do recreio
em alguma escola de ensino fundamental 1, caro leitor? É uma experiência e
tanto. Dezenas de crianças correndo sem olhar para o caminho e esbarrando com
quem ou o que estiver à frente e, ao mesmo tempo, berrando tresloucadamente.
Quando me perguntam o que é um recreio bom, digo que se um velho ou um
bebê for colocado no meio do espaço e sobreviver sem escoriações é porque as
crianças fazem um bom intervalo.
Mas esse comportamento das crianças poderia fazer parte de alguma
brincadeira que exigisse isso, não é? Em geral, não é. Agem assim, talvez,
porque não sabem o que fazer com esse período livre. Porque não sabem brincar,
compartilhar um espaço. Agem assim, principalmente, porque ninguém as ensina
que pode ser diferente.
Ao descer uma escada correndo, a criança se coloca em situação arriscada
e também os outros. Mas não é escrevendo 500 vezes "Não devo correr"
que ela aprenderá que há locais mais adequados para correr e outros menos.
As escolas parecem não saber ensinar o que exaustivamente repetem sobre
seu projeto pedagógico. "Educar para a cidadania" é uma frase que sai
fácil e as escolas a repetem mais do que 500 vezes. Mas na hora de praticar....
Criança tem energia e precisa gastá-la. Pode ser correndo, sim, mas pode
ser de outras maneiras. Hoje, consideramos que criança precisa correr, gritar,
pular. Não precisa. Aliás, fica mais agitada quando assim se comporta.
Parece que perdemos a mão na hora de ensinar. Falar não é ensinar,
exigir não é ensinar, cobrar o que foi falado tampouco. Talvez uma mistura
disso tudo com outros ingredientes possa formar um ensinamento.
Mesmo assim, precisamos ser mais claros e precisos na hora de falar.
Crianças costumam ser precisas.
Uma professora me contou que parou um aluno para dizer que lá ele não
deveria correr. "Então por que aqui se chama corredor?" perguntou o
menino. E com muita razão, do ponto de vista dele, vamos convir.
É possível ter uma escola com um recreio bom, sim. Muitas têm. Essas
sabem o que é preciso: oferecer propostas, tutelar a convivência entre os
alunos, mesmo à distância, e determinar locais para os que querem ficar
tranquilos e para os que querem brincar com mais liberdade são alguns exemplos.
Há muitas outras possibilidades.
Mas isso exige educadores por perto, não apenas inspetores. Para tanto,
as escolas precisam reconhecer que a hora do recreio é uma excelente
oportunidade educativa e, como tal, exige planejamento, objetivos, estratégias
e um ambiente organizado e minuciosamente preparado para o que pode acontecer.
Aliás, é bom lembrar que o ambiente escolar, inclusive o
do recreio, deve funcionar como um elemento educativo.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Fonte: http://www.udemo.org.br
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