domingo, 5 de setembro de 2010

Menos palmadas e mais educação!

Mary del Priore*
Clipping Educacional - Estadão.com.br
Está na ordem do dia a "lei da palmada". A sociedade reagiu: de acordo com sondagens, 54% são contra. O governo contra atacou. Ele, apenas, deseja que o Brasil esteja entre 30 países "civilizados", onde não existe castigo físico contra a criança e os Direitos Humanos são respeitados.
Há pelo menos duzentos anos, autoridades tentam redefinir o estatuto da criança. Por volta de 1900, ela foi elevada ao papel central: amparada pela pediatria, puericultura e pedagogia, tornou-se o "reizinho da família". Nessa mesma época, começou o combate ao trabalho infantil e ao abandono de crianças pelas ruas: coisa nada "civilizada"! A reação oficial veio na forma da fundação de instituições de proteção à infância desamparada, assim como das primeiras escolas de ensino profissionalizante.
Sim, pois no início do século 20, "ser civilizado" significava tornar-se um trabalhador produtivo. E a proteção à infância, uma forma de controlar os rebeldes e improdutivos. Nos colégios e instituições disciplinares, começou-se a discutir a substituição da disciplina violenta por aquela "inteligente", preocupada em construir cidadãos modernos. A ideia era moldar o caráter, e não o físico infantil. Lentamente, aposentou-se a palmatória e o banco do desprezo - onde se sentavam com letreiros os vadios, comilões e desordeiros.
Mas como fazer "cidadãos modernos" dentro de casa? Ali, todas as crianças eram educadas sob "rédeas curtas" e a obediência era norma. No caso de transgressão, castigos eram considerados normais. Buscava-se imprimir nos pequenos um comportamento adulto - sobretudo entre pequenos trabalhadores do campo e das cidades. Os pais não castigavam por maldade ou pelo prazer de cometer violências. Havia, sim, uma preocupação pedagógica: era necessário fazer a criança ter responsabilidades. "O castigo era para o seu bem", "para aprender a ser gente". Tais expressões justificavam o processo de disciplinarização, usado para mantê-la dentro dos códigos de boa conduta e da ambicionada imagem de "civilidade".
Ora, o castigo pedagógico era uma tradição. Na Colônia, por exemplo, Padre Anchieta já recomendava "castigar vícios, com açoites". Para moralistas como o baiano Nuno Pereira, palmadas eram uma forma de "não deixar a perder os filhos". No século 18, durante as Aulas Régias, embrião de escolas públicas, a palmatória era o instrumento de correção. Seu uso perdurou até o final do século 19. E ainda no Primeiro Congresso à Infância, realizado em 1922, havia quem defendesse o castigo corporal: "a criança ligará a ideia do bem ao que lhe é permitido, e de mal ao que lhe é vedado, e na linguagem familiar será bonita, se não desagradar, e feia no caso contrário."
Se há duzentos anos as autoridades tivessem compreendido que "civilizar-se" não era questão de castigar ou não crianças, mas de dar-lhes educação, boas escolas, professores bem formados, bem pagos e valorizados pela sociedade, não estaríamos discutindo, hoje, a "lei da palmada". E, para orgulho de nossas Relações Exteriores, estaríamos sentados à mesa dos países civilizados. Menos palmada? Sim. Mas, sobretudo, mais e melhores escolas, por favor.
*MARY DEL PRIORE É HISTORIADORA
fonte: http://www.estadao.com.br/

4 comentários:

  1. Deixamos nosso carinho e nosso voto neste blog maravilhoso.
    Abraço fraterno:)

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  2. Sempre que aqui venho é pra me beneficiar do maravilhoso conteúdo.Beijos.Seu link está no meu blog já a bastante tempo.

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  3. Olá Sil!

    É fácil moldar uma madeira, fazer dela um belo móvel, e até um animal se faz fácil adestrar, mas, quando se trata do ser humano em geral ainda é difícil conquistarmos bons feitos e quando alcançamos deve ser passado esta informação para que possamos continuar nosso empenho sempre em melhorar nosso mundo e nossa sociedade! Parabéns pelo seu trabalho!

    Um abraço,
    "Todo o Conhecimento é Luz que Inspira a Alma" -*Vera Luz*-

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  4. Olá querida Sil!
    Concordo com o teor do texto! Antes de apenas analisarmos as "palmadas" como foco da educação e disciplina, vejamos todos as questões que envolvem uma boa educação. Cada um deve fazer a sua parte, não apenas respeitando a criança, mas o ser humano como um todo. Dar condições dignas para a educação deveria, também, ser uma grande preocupação do governo...mas, claro, não tendo em quem jogar a culpa e tampouco assumindo maiores responsabilidades, fica mais confortável questionar os pais...esses que se sacrificam por toda uma vida para oferecer condições de sobrevivência aos filhos.
    Grande beijo,
    Jackie

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