sexta-feira, 9 de abril de 2010

"É consensual que (as) poucas leis brasileiras..."

PASQUALE CIPRO NETO
Tenho a impressão de que muita gente teve dificuldade para perceber que as duas afirmações são equivalentes

NA COLUNA DA SEMANA passada, ao analisar a(s) bendita(s) frase(s) que encerra(m) as peças publicitárias de medicamentos ("A/Ao/Se persistirem os sintomas, o médico..."), afirmei, em tom meio jocoso, que "não entendo bem por que "o médico" e não "um médico", mas isso é outra história".
Na segunda-feira, a professora Priscila Figueiredo, que trabalha comigo na TV Cultura, disse-me que lera a coluna e, também em tom meio jocoso, afirmou que o uso do artigo "o" em "o médico deverá ser consultado" lhe dá a impressão de volta aos velhos tempos, como se o médico fosse uma espécie de pajé, o único da tribo. Eu complementei o que ela disse com a informação de que em muitos países existe a figura do médico (do serviço público) de família, o que torna razoável o uso do artigo definido. Por aqui, parece melhor optar mesmo pelo indefinido ("um médico deverá ser...").
Pois bem. Revirando a memória, lembrei-me de uma questão do último vestibular do Ibmec-SP, que, de forma muito interessante, aborda a questão do emprego do artigo definido. O enunciado da questão era este: "Compare estes períodos: I - É consensual que as poucas leis brasileiras sobre crimes ambientais não funcionam. II - É consensual que poucas leis brasileiras sobre crimes ambientais não funcionam".
Vou poupar o leitor do desfile das cinco opções (tratava-se de um teste de múltipla escolha). Vou direto ao ponto: o prezado leitor já sabe que diferença existe entre as frases? Já sabe onde está o xis do problema?
Vamos lá. Na primeira frase (em que há o artigo definido "as" antes de "poucas leis brasileiras"), afirma-se que no Brasil há poucas leis sobre crimes ambientais e que nenhuma funciona. Na segunda, afirma-se mais ou menos o contrário, ou seja, que, no geral, as leis brasileiras sobre crimes ambientais funcionam -só algumas (poucas) não funcionam.
No teste do Ibmec, a resposta correta era esta: "A presença do artigo definido, na frase I, permite inferir que a afirmação contém uma crítica à eficiência das leis ambientais".
Tenho a impressão de que muita gente teve dificuldade para perceber que as duas afirmações são equivalentes, ou seja, que o texto da resposta é uma "tradução" da frase I. Um dos empecilhos pode ser o vocabulário (o verbo "inferir", por exemplo, que significa "deduzir", "concluir").
Outro empecilho pode estar na própria capacidade do candidato de entender que, se na frase I se diz que "as poucas leis sobre crimes ambientais não funcionam", diz-se que as leis são poucas e não funcionam. Mutatis mutandis, os casos vistos hoje lembram outro, clássico, já abordado aqui algumas vezes -o das orações introduzidas pelo pronome relativo "que". Para refrescar a memória, leia estas duas frases: "A partir da semana que vem, os brasileiros que gostam de literatura poderão frequentar a mais nova sala de leitura do país, localizada..."; "A partir da semana que vem, os brasileiros, que gostam de literatura, poderão frequentar a...".
Pois bem. Qual é mesmo a diferença entre as duas construções? Se o caro leitor leu com atenção, percebeu que, na segunda construção, a oração "que gostam de literatura" vem entre vírgulas, certo?
Como o espaço está no fim, vou direto ao ponto: as vírgulas são usadas quando se quer generalizar a afirmação. Na segunda, portanto, afirma-se que, em geral, os brasileiros gostam de literatura.
Na primeira construção, sem as vírgulas, restringe-se o universo dos seres mencionados (os brasileiros, no caso). Moral da história: sem as vírgulas, afirma-se que essa parcela dos brasileiros (a parcela que gosta de literatura) poderá frequentar a mais nova sala... É isso.
fonte: http://www1.folha.uol.com.br

Um comentário:

  1. E apesar de ter mais de 2000 amigos no diHitt, somente 21 deles votaram nesse texto.
    É triste...

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