Sílvia Rogar
O medo da sala de aula
A professora de português Isabel Ribeiro, 35 anos, está com medo. Só neste ano, nove alunos do colégio público onde ela trabalha, no Distrito Federal, foram parar na delegacia por crimes como furto e porte de drogas – todos praticados dentro da escola. Muitos dos alunos ali pertencem a gangues e alguns, condenados pela Justiça, cumprem pena em liberdade. Nesse ambiente de tensão, é difícil impor a disciplina e ensinar. "Eu e meus colegas não temos coragem nem de pedir silêncio, e dá medo até de reprovar um aluno", reconhece Isabel, que, dia desses, foi ameaçada por um estudante. "Vou quebrar a sua cara", ele dizia, apenas porque a professora, fazendo valer uma regra da escola, lhe pediu que tirasse o boné. Como o rapaz passou a rondar suas salas de aula, numa atitude de intimidação, Isabel registrou boletim de ocorrência. "É difícil focar no ensino. Penso antes na minha segurança."
Quarenta ameaças de morte
O professor de educação física Marcelo Rolim, 42 anos, chegou a uma escola estadual em Acari, no subúrbio carioca, com a ambição de aplicar Piaget e dar aulas de ginástica ao som de Ravel – mas encontrou ali paredes cravejadas com 108 tiros e uma favela dominada por três facções do tráfico de drogas. Há quinze anos, o ambiente na escola era de guerra, tanto pelos tiroteios quase diários no entorno quanto pela violência entre os alunos, a metade deles envolvida com o tráfico. Marcelo contabiliza quarenta amea-ças de morte feitas por alunos. "Certa vez, um deles me apontou uma arma dentro do banheiro. Achei que não sairia vivo." Já como diretor, ele se empenhou para transformar a escola num lugar pacífico – e teve êxito. Foi à casa dos estudantes a fim de se aproximar dos pais e apelou até para as lideranças do tráfico. Seu atual esforço é para despertar o interesse desses alunos sem nenhum estímulo. Tarefa duríssima. Outro dia, Marcelo ajudava um grupo a entender a regra de três aplicando jargão local: "Lembrem que letras e números ficam sempre em lados opostos. É como o lado A e o lado B (como são conhecidas as facções do tráfico em Acari)". Os alunos entenderam.
O professor de educação física Marcelo Rolim, 42 anos, chegou a uma escola estadual em Acari, no subúrbio carioca, com a ambição de aplicar Piaget e dar aulas de ginástica ao som de Ravel – mas encontrou ali paredes cravejadas com 108 tiros e uma favela dominada por três facções do tráfico de drogas. Há quinze anos, o ambiente na escola era de guerra, tanto pelos tiroteios quase diários no entorno quanto pela violência entre os alunos, a metade deles envolvida com o tráfico. Marcelo contabiliza quarenta amea-ças de morte feitas por alunos. "Certa vez, um deles me apontou uma arma dentro do banheiro. Achei que não sairia vivo." Já como diretor, ele se empenhou para transformar a escola num lugar pacífico – e teve êxito. Foi à casa dos estudantes a fim de se aproximar dos pais e apelou até para as lideranças do tráfico. Seu atual esforço é para despertar o interesse desses alunos sem nenhum estímulo. Tarefa duríssima. Outro dia, Marcelo ajudava um grupo a entender a regra de três aplicando jargão local: "Lembrem que letras e números ficam sempre em lados opostos. É como o lado A e o lado B (como são conhecidas as facções do tráfico em Acari)". Os alunos entenderam.
Pais e professores em lados opostos
A bióloga Luciana Soares, 30 anos, acaba de abandonar as aulas de ciências que dava em escolas particulares de Minas Gerais havia uma década. Preferiu ensinar na pré-escola. Ela só decidiu mudar depois de muitas frustrações. "É gritaria e conversa o tempo todo. Às vezes, os alunos simplesmente não querem aprender." Não são raras as ocasiões em que a bagunça descamba para a falta de respeito. Recentemente, Luciana tentava apartar uma briga entre alunas da 5ª série quando levou um tapa na cara. Não contou com o apoio dos pais nesta nem em outras situações críticas. Já chegou até a ouvir de um deles: "Nosso filho é ótimo. Você é que não está ensinando direito". A atitude dos pais certamente encorajava a dos filhos. "Faço essa tarefa se eu quiser. É meu pai que está pagando", eles diziam. Luciana se sentia solitária – e impotente. "Agora estou feliz, ensinando crianças com quem consigo estabelecer uma relação de confiança e respeito."
A bióloga Luciana Soares, 30 anos, acaba de abandonar as aulas de ciências que dava em escolas particulares de Minas Gerais havia uma década. Preferiu ensinar na pré-escola. Ela só decidiu mudar depois de muitas frustrações. "É gritaria e conversa o tempo todo. Às vezes, os alunos simplesmente não querem aprender." Não são raras as ocasiões em que a bagunça descamba para a falta de respeito. Recentemente, Luciana tentava apartar uma briga entre alunas da 5ª série quando levou um tapa na cara. Não contou com o apoio dos pais nesta nem em outras situações críticas. Já chegou até a ouvir de um deles: "Nosso filho é ótimo. Você é que não está ensinando direito". A atitude dos pais certamente encorajava a dos filhos. "Faço essa tarefa se eu quiser. É meu pai que está pagando", eles diziam. Luciana se sentia solitária – e impotente. "Agora estou feliz, ensinando crianças com quem consigo estabelecer uma relação de confiança e respeito."
Duas aulas ao mesmo tempo
Dez minutos em uma sala, dez noutra. Nos últimos três meses, foi essa a maratona diária do professor de português Paulo Henrique Medeiros, 27 anos, na escola estadual de Cotaxé, no interior do Espírito Santo. Ali, como em outras escolas do país, não havia professores em número suficiente para todas as classes. Daí a necessidade de ele se desdobrar para tomar conta de duas salas de aula ao mesmo tempo. Parece impossível – e é. Bastava que Paulo saísse da sala para que os estudantes iniciassem um frenético entra e sai. O problema foi resolvido, recentemente, com a contratação de professores temporários. Ainda assim, mesmo quando o professor está em sala, reina a indisciplina. Os alunos não prestam atenção, e com frequência Paulo Henrique se vê falando sozinho. "Fico exaurido e com a sensação de que não ensinei nada direito. Imagine o que é não conseguir concluir um único raciocínio." O ambiente para o aprendizado não poderia ser mais adverso e a frustração de Paulo, maior. "Sei que essas crianças não têm grandes perspectivas, e isso é o fim para um professor."
Dez minutos em uma sala, dez noutra. Nos últimos três meses, foi essa a maratona diária do professor de português Paulo Henrique Medeiros, 27 anos, na escola estadual de Cotaxé, no interior do Espírito Santo. Ali, como em outras escolas do país, não havia professores em número suficiente para todas as classes. Daí a necessidade de ele se desdobrar para tomar conta de duas salas de aula ao mesmo tempo. Parece impossível – e é. Bastava que Paulo saísse da sala para que os estudantes iniciassem um frenético entra e sai. O problema foi resolvido, recentemente, com a contratação de professores temporários. Ainda assim, mesmo quando o professor está em sala, reina a indisciplina. Os alunos não prestam atenção, e com frequência Paulo Henrique se vê falando sozinho. "Fico exaurido e com a sensação de que não ensinei nada direito. Imagine o que é não conseguir concluir um único raciocínio." O ambiente para o aprendizado não poderia ser mais adverso e a frustração de Paulo, maior. "Sei que essas crianças não têm grandes perspectivas, e isso é o fim para um professor."
Lição sem luz
A professora Jane Maria Nunes, 34 anos, prepara suas aulas à luz de velas e redige a mão cada uma das provas que aplica. A energia elétrica ainda não chegou à escola municipal onde ela leciona, na zona rural de Curralinho, município paraense que fica na Ilha de Marajó. Ali, também faltam água potável, merenda, biblioteca, material didático e até carteiras para os estudantes. "Já tive de dividir lápis ao meio porque não havia o suficiente para todo mundo", diz a professora. A infraestrutura paupérrima impõe um desafio a mais para Jane. "Como a sala é escura, os alunos vivem com dor de cabeça e têm enorme dificuldade para se concentrar." Fugir do esquema giz e lousa também não é trivial. Atividades consideradas básicas por professores, como exibir um vídeo, são impraticáveis na escola. As paredes – divisórias de madeira que nem sequer chegam ao teto – também não ajudam. Por meio de suas frestas, passa o som de uma sala para outra. "Não dá para programar aulas com muito barulho porque atrapalham a sala ao lado", resigna-se Jane. "É uma verdadeira loucura ensinar nessas condições."
Clima bom, notas altas
No Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ), os três laboratórios de ciências estão desativados, faltam ventiladores e não se vê sinal dos recursos tecnológicos tão comuns nos melhores colégios particulares do país. À primeira vista, parece uma escola pública como outra qualquer. A diferença do CAp leva mais tempo para ser percebida – mas é decisiva para explicar o fato de o colégio ter aparecido em 17º lugar no último ranking do Enem, à frente de 20 000 escolas públicas e particulares. Ali, o ambiente das aulas é excepcionalmente bom. "Em 25 anos, só vi dois casos de agressão de alunos contra professores", contabiliza Miriam Kaiuca, vice-diretora. Como a escola conta com o suporte da UFRJ, seus docentes recebem salário mais alto do que a média (algo como 3 500 reais), 70% têm pelo menos o mestrado e – eis um fator determinante – nada menos que 90% deles trabalham em regime de dedicação exclusiva, raridade no Brasil. Diz o estudante Noah Miranda, 17 anos, do 3º ano do ensino médio: "Nosso contato com os professores é permanente e o vínculo que nos une, muito forte". Ele e os outros alunos ainda participam de decisões cruciais na escola, como a eleição da diretoria, na qual têm voto. "O clima é de harmonia, não de guerra", resume Noah. Os pais também participam ativamente da vida escolar, o que contribui para o avanço dos filhos e também para o bom ambiente no colégio. Já na matrícula, eles são entrevistados pela coordenação, que, desse modo, consegue conhecer melhor cada família. Os professores reservam ainda um horário para atender os pais individualmente, pelo menos uma vez por semana. Fora isso, a escola é um espaço para festas, shows e eventos esportivos, os quais a Associação de Pais ajuda a organizar. Tudo isso aproxima não só as famílias, mas os alunos da escola. Tanto que, já adultos, muitos decidem colocar os próprios filhos no CAp. É o caso da advogada Fernanda Freitas, 35 anos, que, no ano passado, matriculou lá seu filho Guilherme, de 8: "Quis que frequentasse uma escola da qual me orgulho até hoje".
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