domingo, 14 de junho de 2009

Criando um indivíduo para o mundo

Anna Verônica Mautner
CLIPPING EDUCACIONAL - JORNAL VIRTUAL PROFISSĂO MESTRE
Nesse nosso mundo atual, onde o individualismo é tudo, todos exigem o direito de escolher. Essa premissa – dos direitos adquiridos – foi uma conquista lentamente obtida. É a premissa da democracia: posso até não ganhar uma eleição, mas eu selecionei, exerci plenamente o meu direito de escolher. Só que quanto mais se amplia o meu direito de escolha, maior fica o vazio do que escolher. Esse o que escolher depende da finalidade que se procura. Quando escolho, estou escolhendo porque quero, prefiro, preciso disso ou daquilo. E para tanto, é preciso existir um querer. Como o leque de possibilidades, numa sociedade complexa, tende ao infinito, as possibilidades de escolha também tendem.. Tenho que lembrar que a nossa sociedade não é modelo único. Existem aquelas com apenas dois tipos de roupas disponíveis (uma para festas e outra para o cotidiano), dois, no máximo três tipos de armas, só um tipo de casa, etc. Nós temos mil e uma formas de atacar e defender, de morar, de se vestir etc. A pergunta é: criamos a nova geração apenas para saber escolher ou somos responsáveis também por influir na formatação das escolhas possíveis?Falei tudo isso para chegar à razão de ser desse texto. Educação é uma educação para alguma coisa. Se não se define isso, a finalidade para onde se caminha, toda a pedagogia tende para o arbitrário. Se eu quero educar meu filho para ser super-homem ou executivo, eu me orientarei por esse objetivo, mesmo que de forma inconsciente. Se esse objetivo não é claro, ou pelo menos previsível, mergulha-se no mundo onde vale tudo e ao mesmo tempo nada é permitido. A escola, na medida em que passou a respeitar excessivamente a individualidade, deixou de formar cidadãos com aspectos comuns entre si, uma vez que também deixou de se permitir fixar-se num ideal de homem. Se todos podem ser diferentes entre si, se toda a escolha é válida, que luz me orienta na escolha de estratégias educacionais? Até o dia em que se tira o diploma, vemos o respeito à individualidade reverenciado. Só que isso, na sociedade futura que aguarda os alunos lá fora, não é verdade. Daí até a aposentadoria, os indivíduos passam por filtros que têm suas próprias preferências. Existe, para cada vaga, um tipo de currículo preferencial, assim como existe o tipo ideal para cada concurso, em que se inclui a aparência física, roupa, gestual etc., muito importantes nas entrevistas. A escola que acena com uma liberdade inexistente fora de seus muros, sem se permitir impor uma idealização de vida, falhará obrigatoriamente em sua missão. A escola não pode acenar com uma liberdade que não existirá depois. Seria bom se a escola pudesse ser uma representação minimalista do mundo futuro. Esse escolhe o indivíduo que quer, dá preferência a uns e não a outros. Fazer de conta que o mundo não é assim é falso. A criança que tem cadernos em desordem, como se isso fosse natural, apresentará currículos também mal montados. E o recrutador que recebe e seleciona vai escolher o melhor apresentado, uma vez que nem poderia escolher pelo conteúdo da pessoa porque não a conhece.Cabe à escola preparar membros aptos a viver na sociedade que os aguarda. Cabe à escola criar pessoas capazes de abdicar de certos extremos de individualismo, personalismo, para poder ser indivíduos sim, mas não obrigatoriamente solitários.
Anna Verônica Mautner é psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise e palestrante. Autora de Cotidiano nas entrelinhas e Crônicas científicas (Ed. Ágora).

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