quinta-feira, 31 de maio de 2012

Escrever não dói


ROSELY SAYÃO
Clipping Educacional -  folha de São Paulo
A escrita digital não substitui a manual; as duas formas são importantes para o exercício da cidadania
Uma professora de segundo ano que trabalha com alfabetização me contou que, na sala em que ela dá aulas, há alguns alunos que não querem, de maneira alguma, escrever.
Eles dizem que dá muito trabalho, que cansa as mãos etc. Eles dão todo tipo de justificativa para evitar o exercício da escrita. E não se trata de crianças que ainda não alcançaram o domínio da leitura. Apesar de não serem leitores fluentes, eles já conseguem ler e entender o sentido do que leem. E gostam de ler. Mas escrever....
A professora, corajosa e batalhadora, não desiste: cria todo o tipo de estratégia para fazer com que esse grupo de alunos enfrente o trabalho da escrita. Frente à insistência da professora, um aluno a desafiou.
Crianças dessa idade são sagazes, criativas, audazes e absolutamente antenadas com o contexto do mundo atual, principalmente o tecnológico, que usam com intimidade. O garoto, usando a linguagem própria de crianças, disse que aprender a escrever era um trabalho desnecessário, porque ao apertar a tecla do computador ou ao tocar a tela do tablet ele escrevia do mesmo jeito e isso não fazia a mão doer.
"Professora, se eu só vou escrever em computador e em tablet, por que tenho que aprender a fazer essas letras desenhadas?". E você pensa, caro leitor, que o menino parou aí? Não! Ele prosseguiu. "E no computador tem corretor de palavras, então eu nem preciso escrever tudo certinho porque ele corrige quando eu escrevo errado."
Foram essas perguntas do aluno que fizeram a professora me procurar. Ela está em busca de argumentos para convencer os alunos da importância da escrita. O problema é que ela não tem uma boa resposta.
Isso me lembrou uma informação que foi notícia no ano passado e que rendeu muitas análises e discussões, pelo menos no meio acadêmico. Nos Estados Unidos, alguns estados já aboliram a obrigatoriedade do ensino da letra cursiva no ensino fundamental. E tudo indica que o próximo passo será banir de vez a prática.
A escrita é um meio de comunicação. Por meio dela expressamos nossos pensamentos e nos comunicamos com eles. Esse é um tipo de linguagem que coloca as pessoas em contato umas com as outras: pode ser um recado, a manifestação de um sentimento, pode ser muita coisa.
Mas, se a escrita pode ser digital, por que é importante a escrita à mão? Em primeiro lugar, porque a substituição de uma pela outra empobrece o mundo e a variedade das linguagens. Se podemos ter os dois tipos, porque vamos escolher ficar apenas com um deles? A existência da arte digital, um tipo de linguagem, não nos faz pensar na substituição dos quadros, não é verdade? Ficamos com as duas formas de expressão.
Em segundo lugar, porque a escrita digital restringe sobremaneira as possibilidades de comunicação com as pessoas. Quantas delas há no mundo, em nosso país, em nossa cidade, em nosso grupo de convivência, que não têm acesso a essa tecnologia?
A linguagem escrita e seu aprendizado são partes integrantes e importantes do exercício da cidadania. Não se trata apenas, portanto, da aprendizagem de um código. É bem mais do que isso.
Nossos novos alunos terão menos dificuldades para se esforçar na aprendizagem da escrita se perceberem que nós temos convicção da importância desse tipo de comunicação.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Um comentário:

  1. Concordo, plenamente, pois tenho como certo de que a escrita é uma arte. E, assim como as pinturas e os desenhos obtidos através de programas de computador jamais serão tão valorizados como os produzidos com lápis, caneta, pincéis, tela e tinta, a capacidade de redigir com o próprio punho, na melhor caligrafia se possível, terá sempre o condão de melhor classificar o redator.

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