terça-feira, 17 de abril de 2012

Reflexões sobre o itinerário formativo como instrumento para a evolução pela via não acadêmica na carreira do magistério

Clipping educacional - Blog da Presidanta
A proposição de um itinerário formativo, que vem sendo discutida na comissão paritária de gestão da carreira do magistério da rede estadual de ensino de São Paulo, para que os profissionais do magistério possam conduzir-se de forma coerente através dos processos de formação continuada oferecidos pelo próprio Estado, por universidades públicas e outras agências de formação reconhecidas e credenciadas pelos sistemas de ensino, significará um avanço importante para a qualidade do ensino.
Hoje, os profissionais do magistério participam de cursos e outras atividades de formação praticamente sem nenhum fio condutor, que estabeleça um “caminho” para sua formação. Nem sempre, assim, os conteúdos trabalhados nestes cursos e atividades revertem em melhoria da prática deste profissional, trazendo ganhos para seus alunos.
A idéia de um intinerário formativo, com repercussões na evolução funcional pela via não acadêmica na carreira do magistério, trabalha com o princípio da formação contínua dos profissionais, a fim de assegurar o progressivo avanço em seu aperfeiçoamento, tendo como parâmetros sua atuação concreta na sala de aula e em todos os demais momentos do processo educativo. Neste sentido, cabe ao Estado assegurar condições para que não haja descontinuidade na formação deste profissional, para que o itinerário formativo possa produzir resultados, tanto para o o profissional do magistério quanto para a escola e para o sistema de ensino.
Itinerário formativo e auto-avaliação
Quando pensamos em um itinerário formativo, sobretudo no caso do professor, uma primeira questão se coloca: como definir este itinerário? Como escolher, numa miríade de cursos e possibilidades, qual caminho seguir? De que forma o itinerário formativo poderá contribuir, de fato, para que o professor se beneficie dos cursos e atividades formativas e que este conhecimento adqurido reverta em mais qualidade para sua prática pedagógica dentro e fora da sala de aula, repercutindo diretamente na sua escola e indiretamente em todo o sistema?
Esta pergunta deve ser respondida considerando-se duas dimensões do problema. A primeira delas é a do desejo do professor, ou seja, suas metas, suas preferências, seus sonhos, sua relação mais íntima e pessoal com a profissão que escolheu. Um segundo aspecto, que vamos priorizar, é da sua inserção no trabalho coletivo na escola, sua interação com os colegas professores, outros membros da equipe escolar e com seus alunos, sua didática, sua capacidade e reverter sua formação e sua experiência em mais qualidade nas suas aulas e nas demais atividades que realiza na escola.
Considerando a premissa acima, cabe ao próprio profissional definir seu itinerário formativo, recebendo do sistema de ensino toda a assistência necessária para fazê-lo. Entretanto, como auxiliar este profissional a definir o itinerário formativo mais adequado? Em primeiro lugar é preciso que ele conheça e expresse com a maior clareza possível suas dificuldades, necessidades e desejos. Isto é, a auto-avaliação deve ser parte integrante, inicial e necessária, do próprio itinerário formativo. Entretanto, não é fácil para qualquer pessoa auto avaliar-se, sobretudo para os profissionais do magistério no atual momento da rede estadual de ensino, pois tal prática não tem sido incentivada e incorporada no seu cotidiano.
É preciso que se desenvolvam metodologias adequadas para esta finalidade e que os professores, e demais integrantes do quadro do magistério, bem como os gestores educacionais, sejam devidamente capacitados para apreender, dominar e aplicar tais metodologias.
Um ponto de partida, entre outros possíveis, para compreendermos a necessidade e importância do processo de auto-avaliação na definição do itinerário formativo do profissional do magistério pode ser encontrado em Edmund Husserl, um dos teóricos da fenomenologia.
A fenomenologia de Husserl busca compreender os fenômenos, ou seja, todos os objetos e acontecimentos, não como se expressam no mundo, mas como são vividos na consciência, os atos e os correlatos dessa consciência. Ou seja, os objetos estão no mundo como são, mas depende de cada sujeito apreender sua essência, depende de sua capacidade de percebê-la. A consciência, assim, é o pólo que, a partir de si mesmo, conecta e sintetiza todas as vivências. A fenomenologia trata da descrição de fenômenos, entendidos como atos de conhecimento, no sentido puramente cognitivo e não psicológico.
Para Husserl a consciência traz em si, potencialmente, todo um universo de possibilidades de existência e são as experiências vividas que dão efetividade às escolhas feitas pela consciência. Assim ele opõe seu método investigativo, fenomenológico, à objetividade cientifica. Para ele, o mundo objetivo da ciência é fundado na experiência e no pensamento pré-reflexivo ou pré-científico, tem o seu fundamento na formação subjetiva e por isto só uma investigação que remonte à subjetividade pode alcançar o sentido do ser no mundo, pois ela é fonte tanto para o pensamento pré-reflexivo quanto científico ou reflexivo.
Em resumo, pode-se dizer que para a fenomenologia a consciência não é uma substância, no sentido de “alma”, ma ela é intencional, no sentido de ser “consciência de algo”, constituindo-se de atos (percepção, imaginação, paixão) com os quais visa algo. As vivências do indivíduo, suas relações com o mundo, são a sua consciência.
Desta forma, o método fenomenológico oferece ao indivíduo uma possibilidade de auto-conhecimento e auto-avaliação, a partir do exame de seu conhecimento, ou seja de sua consciência, de sua própria essência; pois, para a fenomenologia, o ser, verdadeiro, real, consiste em conhecer-se, a partir da relação do sujeito com o mundo. Ser é conhecer. Conhecer é relacionar-se, trocar informações com todos os objetos que estão no mundo. Desta teoria pode derivar um método possível para a auto-avaliação dos profissionais do magistério para fins da construção de seu itinerário formativo, lembrando, porém, que o foco do profissional do magistério, a partir de suas necessidades individuais, deve ser, fundamentalmente, melhorar seu trabalho, para agregar mais qualidade ao processo ensino-aprendizagem nas escolas públicas estaduais.
Quando realizar a auto-avaliação?
Devemos, ainda, responder a outra pergunta: em que momento deve se dar a auto-avaliação deste profissional para fins da construção de seu itinerário formativo?
Quanto ao profissional não-efetivo, acreditamos que este momento deve ser definido por ele próprio, em conjunto com o coordenador pedagógico da escola, eventualmente consultando a direção da escola. Mas nos concentraremos nos profissionais efetivos, concursados, para o quais é mais fácil desenvolver o raciocínio. Acreditamos que o primeiro momento no qual o profissional deve realizar sua auto-avaliação é o terceiro ano do estágio probatório, quando estará sendo avaliado para todos os demais efeitos. Entretanto, cremos que esta auto-avaliação para fins de itinerário formativo, não deve ser obrigatória neste momento. Trata-se de uma prerrogativa do profissional, que poderá optar por realizar esta auto-avaliação em outro momento. Entretanto, o profissional em questão deve ser alertado de que a formação continuada será tanto mais proveitosa e revertará em benefícios para a sua atuação (e para a sua carreira), quanto mais cedo for iniciada.
Quanto aos professores efetivos que já estão na rede há mais tempo, deve-lhes ser facultado determinar o momento em que desejam auto avaliar-se para esta finalidade, tendo em conta que a partir de um certo momento da carreira já não se justificará, nem será proveitoso para a carreira, iniciar este itinerário formativo.
Também deve ser facultado a todos os profissionais, indistintamente, a possibilidade de novamente auto avaliar-se, para definir temáticas e caminhos de seu itinerário formativo.
Caminhos possíveis para o itinerário formativo
Com relação ao itinerário formativo, em si mesmo, cremos que a matriz que foi discutida na comissão paritária é um excelente ponto de partida. Ela busca responder às dimensões do trabalho do profissional do magistério, particularmente do professor. A partir dela deve ser organizada a oferta de cursos e demais atividades formativas.
Para definir seu percurso, o profissional deverá focar naquela(s) dimensão(ões) de seu trabalho na(s) qual(ais) se localizam suas maiores deficiências, desejos ou possibilidades, devendo sempre ter em mente que a formação continuada visa, em primeiro lugar, suprir carências, limitações e dificuldades, pois o objetivo é melhorar o trabalho do profissional.
Aos sistemas de ensino cabe oferecer-lhe os cursos e atividades que correspondam a essas necessidades, mas de forma a articulá-los oferecendo ao profissional um verdadeiro percurso. A forma modular pode responder bem a esta necessidade, pois embora cada módulo seja uma unidade temática autônoma, com caráter de terminalidade, portanto certificável para efeitos de progressão na carreira e outras finalidades, eles podem compor unidades maiores e mais amplas, configurando cursos de maior duração.
Dito de outra forma, acreditamos que os cursos e atividades de formação continuada que farão parte do itinerário formativo dos profissionais do magistério devem combinar módulos destinados a atender necessidades práticas, pontuais e/ou imediatas com outros módulos que se destinem ao aprofundamento teórico de temáticas necessárias ao processo ensino-aprendizagem, no caso dos professores, ou a questões pedagógicas, gestão escolar e outros aspectos do funcionamento das escolas e do sistema.
Porém, é preciso que o sistema não foque excessivamente a oferta de cursos em um menu predeterminado, inflexível. O itinerário formativo deve comportar também escolhas pessoais do profissional, desde que plenamente justificadas, para a realização de cursos destinados a outras áreas do conhecimento. A interdisciplinaridade deve ser valorizada e incentivada, por ela é a base de novas formas de apreensão, produção e transposição do conhecimento, sintonizadas com o as características e os ritmos do mundo contemporâneo.
Podemos pensar num processo de formação que combine módulos, agrupados em determinados graus de aprofundamento das temáticas, que serão percorridos pelo profissional na medida em que avalie as etapas anteriores e se sinta motivado a continuar o percurso. Cabe ao profissional, com o auxílio das estruturas que serão definidas, combinar, acelerar ou retardar seu processo de formação, desde que essas decisões estejam inseridas num percurso previamente definido (a partir de sua auto-avaliação) comportando ajustes e correção de rumos.
Formação significa mais qualificação, que pode resultar, ainda, em maior titulação dos profissionais do magistério. Mas é preciso não perder de vista que o objetivo maior não é o de aumentar a titulação destes profissionais e sim de qualificar e valorizar seu trabalho para que resulte em mais qualidade de ensino, maior motivação para o exercício da profissão e, também, combinados com estes objetivos, maior evolução na carreira. Evidentemente, a maior qualificação para o exercício de seu trabalho e o contato com novos autores e novas bases teóricas poderá motivar muitos destes profissionais a buscarem elevar sua titulação.
A formação continuada deve se dar no local de trabalho
Não se pode deixar de observar que um novo processo de formação, como o que vimos discutindo e elaborando, exigirá da Secretaria da Educação e de suas estruturas, sobretudo a Escola de Formação e as diretorias regionais de ensino, uma outra dinâmica de trabalho, não apenas para responder, com eficiência e qualidade, às novas demandas que surgirão, como, também, para realizar todo o processo de avaliação da participação nos cursos e atividades formativas e suas repercussões na carreira.
Entretanto, é na escola que as grandes mudanças devem acontecer. Os horários de trabalho pedagógico coletivos, ampliados pela aplicação correta da lei 11.738/2008 (lei do piso salarial profissional nacional), devem se constituir no lócus privilegiado desta formação continuada. No nosso entender, o sistema de ensino deve firmar convênios com as universidades públicas e demais agências formadoras reconhecidas para que ministrem cursos para os professores no interior das escolas.
Desta forma, não apenas o professor poderá expressar durante os cursos suas experiências e dificuldades concretas, bem como contribuições baseadas na sua experiência e na aplicação prática das teorias educacionais, influindo na própria formação inicial oferecida pelas universidades, como as universidades poderão contribuir diretamente para o aprimoramento da formação teórica dos profissionais do magistério. Nesta via de mão dupla, aproxima-se a escola real, aquela do dia-a-dia dos professores, daquela escola ideal, com a qual sonhamos e queremos construir.
São essas nossas contribuições iniciais para uma reflexão sobre a instituição do itinerário formativo como uma das formas de evolução não acadêmica na carreira dos profissionais do magistério. Reafirmamos a nossa certeza de que será um avanço para a educação pública e elemento motivador e enriquecedor das práticas diadático-pedagógicas dos professores e demais profissionais.
Pressupostos para o itinerário formativo
A auto-avaliação dos professores (assim como dos demais profissionais do magistério), deve conduzi-los à definição de um itinerário formativo que responda a suas necessidades e às necessidades da escola e do sistema de ensino. Para tanto, é preciso que sejam definidos pressupostos que apontem elementos para que o professor interessado faça sua auto-avaliação. Uma das possibilidades seria embasá-la com questões que o levam a este objetivo. um calendário e uma metodologia, além de materiais de suporte, para que o resultado final deste processo de auto-avaliação contribua para a demanda de cursos a serem oferecidos pelo sistema esteja de acordo com a percepção dos professores quanto àquelas questões e assuntos para os quais não se sentem suficientemente preparados.
Tomemos o exemplo de um professor de Língua Portuguesa que se depare com um aluno com dislexia. Num primeiro momento, poderá não estar preparado para reconhecer e lidar com esta questão. Muitas vezes este professor responsabiliza-se ou responsabiliza professores anteriores da criança pela existência do problema. Nas condições atuais, para trabalhar com este aluno, ele terá que buscar formação pelos seus próprios meios e, ao final, poderá descobrir que a questão é resultante de fatores externos à sala de aula. Deve-se, na verdade, a problemas familiares. A origem pode estar no pai, e não na criança. O(a) professor(a) terá que interagir com esta família, com os pais, para resolver o problema de aprendizagem daquela criança.
Outro exemplo é o da escrita espelhada. Até que fossem divulgados os estudos de Emília Ferreiro simplesmente a criança era reprovada ou se dizia que tinha problemas de aprendizagem. Depois da descoberta de que o itinerário de alfabetização da criança passa pela escrita espelhada, e a partir da teoria desenvolvida por Emilia Ferreiro, tendo como base a neurolinguística, é que pudemos constatar o avanço que as crianças têm, se respeitada esta fase da alfabetização. Enfim, podemos demonstrar vários casos de dificuldades de aprendizagem. O desenvolvimento da neurociência permite desvendar como o conhecimento se constrói através das áreas do cérebro; quando estimuladas, a criança tende a escolher a área de seu interesse – matemática, linguagem, música etc.
São exemplos de problemas que os professores vivenciam e que devem ter respostas em seus itinerários formativos, para que eles possam cumprir o papel de suprir as necessidades dos professores e do processo ensino-aprendizagem.
Maria Izabel Azevedo Noronha
Presidenta da APEOESP Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
Membro do Conselho Nacional de Educação
Membro do Fórum Nacional de Educação

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