quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Como desfazer amigos



Rosely Sayão
Clipping Educacional - Folha de São Paulo
Num mundo que dá extremo valor ao individualismo e ao prazer imediato, há lugar para a amizade?
UMA GAROTA de 15 anos me encaminhou uma longa, triste e emocionante mensagem.
Usando uma linguagem própria de alguns grupos de adolescentes, ela questionou a amizade de uma maneira bem adulta, arrisco dizer.
Entre os casos que ela me contou para desenvolver seu raciocínio argumentativo, escolhi dois, porque parecem ser situações bastante comuns na convivência entre adolescentes. Vamos partir desses exemplos para nossa conversa de hoje.
Nossa jovem leitora tinha duas grandes amigas. Ou pelo menos era assim que as considerava: falavam-se sempre, trocavam segredos e honravam essa condição. Ofereciam apoio quando preciso, eram solidárias na tristeza e nas situações difíceis pelas quais passavam.
Um segredo que a jovem compartilhou com uma das amigas foi o afeto que nutria por um garoto da escola, mas que ela não tinha coragem de demonstrar. Pois numa festa a que foram juntas, essa amiga ficou com o tal garoto.
Você pode imaginar, caro leitor, a decepção que essa garota vivenciou? E a situação piorou quando, no dia seguinte, ela foi conversar com a amiga e esta justificou o ocorrido de um modo muito simples: "rolou".
"Então isso é amizade?", perguntou a garota em sua mensagem. Inconformada, cortou a relação de confiança e a intimidade com a outra menina.
Hoje, elas se cumprimentam de modo distante, apenas isso. E, pelo jeito que nossa leitora conta, seu sofrimento aumenta cada vez mais.
E que tal encontrar em uma rede social, ao ler a página de uma colega, a confissão pública daquela que também considerava uma amiga, de que ela só lhe fazia companhia por pura pena de nossa jovem leitora?
Vamos agora refletir um pouco a respeito da amizade no mundo atual e, para tanto, comecemos por essa última situação.
Franqueza e transparência são fundamentais para as relações de amizade. Sem tais características, o relacionamento amoroso que caracteriza a amizade não sobrevive. Aliás, nem sequer vive.
Outra característica básica de pessoas que querem ser amigas de outras é a maturidade para controlar os próprios impulsos em favor da amizade. Saber renunciar a prazeres imediatos para preservar o amigo é condição fundamental.
Na adolescência, o jovem amadurece e ganha, cada vez mais, a condição de ser e de ter amigo. É claro que, nessa trajetória, vai errar, vai experimentar o sabor amargo da perda de um amigo como consequência de um comportamento impensado, inconsequente, infantil e imaturo.
Por isso, não foram os comportamentos daquelas que um dia foram consideradas amigas por nossa leitora que chamaram a atenção.
O que causa estranhamento nessas histórias é o fato de nenhuma das garotas ter se sentido magoada por magoar. É o fato de nenhuma ter mostrado arrependimento por ter disposto de um relacionamento de amizade, e por tão pouco. E o pior: talvez elas nunca venham a saber disso.
Devemos nos perguntar se, num mundo que dá extremo valor ao individualismo, à realização de nossos caprichos e ao prazer imediato, há lugar para a amizade.
Deve haver. Afinal, são os amigos que dão sabor à nossa vida, que a iluminam, que fazem com que valha a pena viver, mesmo enfrentando as mazelas inevitáveis com as quais nos deparamos.
Podemos fazer algo para que os mais novos conheçam essa alegria?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Matéria publicada na Folha de São Paulo, 22 de novembro de 2011.

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