Roberto Macedo
Clipping Educacional - Estadao.com.br
Na língua inglesa, bullying é o comportamento pelo qual uma pessoa amedronta outra, ou lhe causa dor, ferimento, constrangimento, ou outros sofrimentos, até no plano emocional.
Há tempos noto o crescente uso do termo no Brasil, em particular para descrever ocorrências nas escolas. Ele ganhou maior notoriedade depois que no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril, houve o assassinato de 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira. O criminoso, Wellington Menezes de Oliveira, teria sofrido o bullying quando aluno da mesma escola. Pela internet soube que, manco, era chamado de suingue pelos colegas.
Da minha janela vejo periquitos a bicar e ameaçar seus colegas e outras aves. Trata-se de comportamento típico de animais, herdado por seres humanos. E, nessa condição, também sob versões além da física, como agressões verbais, apelidos constrangedores, intrigas e fofocas. Já existe também o cyberbullying, via internet, celulares e outras tecnologias digitais.
Portanto, o bullying não é novidade histórica e alcança todo o espaço onde está o ser humano. Assim, seria surpreendente se a língua portuguesa não tivesse palavras próprias para descrevê-lo. E as tem. Surpreendentemente mesmo é o desconhecimento delas, conforme revelado pelo amplo uso de bullying. Pelo que vi na internet, outras pessoas também perceberam esse desconhecimento.
Pensando no referido comportamento, recordei-me de palavras que, quando criança, ouvia para descrevê-lo. Por exemplo, em casa, na escola e na rua alguém dizia "fulano buliu comigo". Aí está o bullying, e nessa e noutras formas em dicionários da nossa língua.
O meu (Houaiss) apresenta como significados de bulir: mexer com, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre, entre outros. E não consta como regionalismo. Neste caso, no Nordeste tem também o significado de tirar a virgindade. Acrescente-se que nas duas línguas as palavras começam da mesma forma, mas ignoro se têm etimologia comum.
O mesmo dicionário tem também bulimento, o ato ou efeito de bulir, e bulidor, aquele que o pratica. Ou seja, temos palavras para designar tanto o sujeito (bully), como o verbo (to bully) e o ato decorrente (bullying). Acrescente-se que no desnecessário uso deste último anglicismo se fica só na referência ao ato, dificultando ou desnecessariamente estendendo textos, o que é feito não apenas corriqueiramente pela imprensa, mas também por gente importante.
Por exemplo, o filósofo e educador Gabriel Chalita, hoje deputado federal, quando vereador da capital paulista apresentou projeto de lei que "dispõe sobre ... medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying... (nas)... escolas públicas do Município...". No trecho que trata dos objetivos, o projeto inclui o de "orientar os agressores, por meio da pesquisa dos fatores desencadeantes de seu comportamento". Por que não usar bulimento e bulidores? Quanto à conscientização destes, é indispensável, pois muitos não percebem o mal que praticam.
A propósito, em site do governo dos EUA (www.stopbullying.gov), voltado para combate ao bulimento, uma das orientações consiste em levar bulidores efetivos ou potenciais a fazer a si mesmos esta pergunta: "Se alguém lhe fizesse a mesma coisa, você se sentiria incomodado?" O termo bulidor também se revela conveniente ao dispensar referência prévia a bullying, ou mesmo a bulimento.
O mesmo anglicismo também está onipresente em cartilha sobre o assunto lançada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o título Bullying: Cartilha 2010 - Justiça nas Escolas, escrita pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. Aí bulidores são novamente chamados de agressores e, também, de opressores. Soube ainda que o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, escreveu um artigo intitulado Bullying - aspectos jurídicos.
Como se percebe desses exemplos e do noticiário em geral, há muita gente bulindo com o idioma português. Se este falasse certamente reclamaria do bulimento a que é submetido.
O deputado federal Aldo Rebelo, que pontificava como grande defensor da língua pátria - esse era o nome que tinha quando comecei a estudar -, esteve nos últimos meses muito ocupado como relator do Código Florestal, na Câmara. Gostaria de vê-lo de novo na ativa a defender o português no meio ambiente onde sofre a poluição de outras línguas.
E não só quanto ao assunto desse artigo, mas também para protestar contra algo mais grave, pois reconheço que bulir e seus derivativos não são muito conhecidos e, por isso mesmo, precisam ser difundidos. Trata-se da proliferação de anglicismos claramente desnecessários, como delivery, sale, off e muitos outros estrangeirismos.
Particularmente estranháveis são os nomes dados a edifícios nos anúncios de lançamentos de imóveis. Ainda no último fim de semana havia neste jornal nomes como Still, Grand Terrace e - inacreditável! - Tasty Panamby. Se traduzido das duas línguas de onde vem, o inglês e o tupi-guarani, este último significaria Borboleta Gostosa.
Já escrevi aqui sobre o mesmo assunto (Prédios com nomes de outro mundo, 6/5/2010) e, apesar do meu apelo, ninguém me explicou convincentemente os fundamentos desse fenômeno. Enquanto isso não vem, fico com as minhas versões. É gente que não dá valor à nossa língua. Ou talvez pense que morando em prédios assim denominados estaria a viver em outro país. Os nomes também podem ser cacoetes de arquitetos e marqueteiros, mas não inconsequentes no seu bulimento com a língua portuguesa.
Bilac, que a chamou de "última flor do Lácio", certamente lamentaria vê-la reproduzida com esses e muitos mais espinhos de outras espécies.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
fonte: http://www.estadao.com.br
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