domingo, 22 de agosto de 2010

Contra o moralismo e a favor de Ignácio de Loyola Brandão

Erick Tedesco
Clipping Educacional – Tribuna de Piracicaba
Difamado e escandalizado por pais, “Obscenidades para uma dona de casa” cumpre função enquanto literatura com questionamentos
Na Europa da Idade Média, livros foram queimados porque a Igreja tinha medo que o homem descobrisse mais sobre si mesmo. Séculos depois, no 20, o Nazismo na Alemanha sobrepôs a cultura local perante as de outras partes do mundo para legitimar suposta hegemonia racial. Anos depois, nos anos 70, a Ditadura Militar no Brasil proibiu a circulação de muitas músicas, revistas e literaturas, apontadas como subversivas, que serviriam para que o indivíduo tomasse conhecimento das ações retrógradas do regime.
E em pleno 2010, num momento histórico em que o ser humano tem conhecimento acessível para romper com o moralismo e com tantas outras amarras sociais, pessoas de algumas partes do país, inclusive de Piracicaba, querem interferir no papel da educação dos jovens exigindo que um livro seja retirado das mãos dos estudantes de escolas estaduais. Tudo por causa do conto “Obscenidades para uma dona de casa”, do escritor Ignácio de Loyola Brandão, que está no livro “Cem melhores contos brasileiros do século”, distribuído no Ensino Médio.
Como sugere o título, palavras consideradas de baixo calão e que remetem ao ainda tempestuoso universo do sexo chamaram a atenção dos pais de algumas crianças, que ao invés de discutir com elas a respeito do que se trata o conto, agiram como se tomados pela quimera daqueles citados tempos históricos e exigiram a censura do texto. Para *Josiane Maria de Souza, coordenadora do curso de letras-português da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), são declarações isoladas que repercutem na mídia. Ela suspeita que apenas leram o título, e não o conteúdo. “São leitores de palavras”, afirma.
Josiane ressalta o caráter polêmico do conto, ao mesmo tempo em que aponta que promover discussões e causar espanto são alguns dos papeis da literatura. “O texto aborda como o cotidiano marcado de uma dona de casa muda quando começa a receber cartas eróticas anônimas. O fato desperta a sensualidade na mulher, algo tão inerente ao ser humano”, destaca a professora alertando que, ao longo do conto, a personagem, constantemente, se questiona enquanto lê as cartas. “O autor Brandão deixa claro que existe o conflito entre o certo e o errado no que ela faz”.
É a partir da explanação do conto que Josiane se posiciona contra a manifestação destes pais e, ao invés de censura, propõe alternativas para a leitura. “Sugiro que eles leiam o conto junto aos filhos e discutam os termos elencados como obscenos. Se isso acontecer, algo de bom surgiu desta polêmica”. Para ela, ações educacionais devem ser fomentadas tanto em salas de aula como nos lares. “É um despropósito criticar deste jeito um material escrito. Isso é censura e toda censura é nefasta, fascista”, alerta.
A função do conto, que o próprio autor caracteriza como “erótico, mas poético” e já foi tema em vestibular, virou monólogo teatral e traduzido para dez línguas. Para Josiane, sexo é assunto corriqueiro em rodas de conversa entre amigos, e acredita que todos os referidos termos usados por Brandão fazem parte do vocabulário dos adolescentes. “É um moralismo enorme e uma visão equivocada da literatura. Existe a ideia equivocada de que a literatura só é boa se apazigua e nos deixa de bem com a vida. É como ler Paulo Coelho, que eu leio e nada acontece, então esqueço, porque não me faz refletir sobre a vida. É mais um passe de mágica do que discussão”.
A professora ainda contextualiza o conto na obra, indicando na introdução uma “dica” sobre a contribuição de Ignácio Brandão, em texto escrito por Ítalo Marconi. “O conto está na seção das produções dos anos 80, cuja temática estava focada, principalmente, na mulher e na sexualidade, que tem a ver com a abertura cultural do Brasil”. Josiane faz o link com a depressão dos anos 90 por causa da Aids, uma conseqüência da exacerbação do erótico na década passada. “Não se pode isolar uma literatura, afinal, não lemos só palavras”, reflete.
E, assim como o preconceito racial e a intolerância religiosa são erros na evolução da humanidade, censurar a literatura que propõe reflexões sobre o que é viver e como lidar com os “anjos e demônios” é retroceder. Para Josiane, palavras obscenas chocaram gerações passadas, mas não assustam a atual. “Um tabu que envelheceu e que não escandaliza os adolescentes”, aponta. No entanto, a ignorância é atemporal e injustiças com um ilustre escritor como Brandão – e também com a inteligência –, infelizmente, às vezes acontecem.
*Josiane Maria de Souza, da Unimep, aponta que é preciso ler o conto dentro de um contexto, e não apenas suas palavras
Fonte: http://www.tribunatp.com.br/

2 comentários:

  1. Discordo completamente de Josiane. O Kit é entregue pelo governo do Estado de SP aos alunos da rede, permitindo que estes leiam os livros a qualquer hora, sem uma prévia do professor. Aliás, como o professor da rede poderia ler os livros do kit se estes são entregues somente aos alunos?
    O conto de Ignacio de Loyola Brandão não é apropriado para a faixa etária que o recebeu, são jovens de 15 ou 16 anos que ainda não estão maduros o suficiente para ler trechos como este: "champanhe gelada escorrer nos pêlos da tua bocetinha e tomo em baixo com aquele teu gosto bom" ou "Queria te ver no sururu, ia te pôr de pé no meio do salão e enfiar minha pica dura como pedra bem no meio da tua racha melada, te fodendo muito, fazendo você gritar quero mais, quero tudo, quero que todo mundo nesta sala me enterre o cacete".
    A entrega de materiais no governo Serra tem deixado muito a desejar, em 2009 erros como este em livros para alunos do ensino fundamental, ciclo I. Que tipo de cidadão pode ser formado se desde cedo, ele já é instigado à pornografia?

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  2. Uma coisa é pornografia, outra coisa é arte... uma coisa é um filme pornográfico, onde apenas a excitação sexual é o tema, o mote e a glosa; outra coisa é o trabalho com a palavra, a criação de cenas corriqueiras do dia a dia, vividas em todas as partes do planeta. Toda a emancipação que a literatura sempre pregou e que ganhou grandes batalhas durante o sec XX é agora deixada de lado, rasgada por moralistas que não conseguem enxergar um palmo a frente do nariz. Enquanto um bando de "educadores" pseudo-moralistas ficam de conversinhas, apenas reclamando do emprego ou falando que tudo é obcenidade, alunos de 15 / 16 estão iniciando sua vida sexual, conhecendo novos mundos, vivendo aquilo que a geração anterior não pôde viver. Agora a abertura de novos mundos, novos textos está sendo retirada. Então deixemos o 100 melhores contos de lado e vamos apenas falar de Amor de Perdição, Memórias Póstumas de Brás Cubas... Vamos falar apenas de rouxinóis, de Marílias de Dirceu, perdidas entre corações. Vamos deixar todo o resto, as mulheres de verdade, toda a libido, todo o sensual na sargeta ou em prostíbulos, becos e em pontos de interrogação na cabeça dos alunos... Vamos manter o regime, os sutiens, saias até os joelhos... Não é a educação que precisa mudar, mas sim a cabeça dos educadores que pararam quando a régua descia nas mãos dos encrenqueiros, desordeiros... Não é a toa que os professores são vistos como repressores e inimigos dos alunos. Eu como professor do ensino médio VOU sim tratar deste conto com meus alunos, pois a liberdade de expressão é garantida! A arte contida neste texto é incrível e não pode ser deixada de lado por causa de "educadores do pretérito perfeito".

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