Entrevista com o professor Elie Ghanem da FE-USP sobre a proposta do novo pacote para a educação paulista
Clipping Educacional -  Observatório da Educação (04.06.2009)
No início de maio, o governo de São Paulo anunciou medidas que incluem a abertura de 50.000 cargos efetivos para professores da rede estadual, a criação de jornadas de trabalho de 12 e 40 horas, e a constituição da Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo para ‘formar’ os docentes aprovados no concurso, dentre outras. 
OE – Como avalia o anúncio pelo governo paulista da abertura de 50 mil cargos efetivos para o professorado da rede? 
Elie: o anúncio da contratação de 50 mil docentes é auspicioso, mas podemos tomá-lo com certo ceticismo, porque é só um anúncio. A ex-secretária anunciou a contratação de 10 mil em audiência pública realizada na Assembléia Legislativa em dezembro do ano passado. Em geral, os déficits de contratação são muito elevados, temos quantidade muito grande e recorrentemente de docentes não concursados. Adoraria que houvesse essa contratação nesse volume e que ela fosse plena. Aliás, gostaria que caminhássemos para pelo menos duplicar o número de docentes hoje disponíveis para que pudéssemos reduzir as jornadas de trabalho.
O trabalho docente é geralmente compreendido como dar aula, e não como atividade educacional que implica uma variedade de tarefas. Então, as próprias aulas ficam prejudicadas por não se conceber como trabalho docente também o contato com as famílias, o debate com os pares, o estudo. A própria idéia de formação é a de que haja um curso em separado, que as pessoas saiam de seu ambiente de trabalho para receber um insumo externo de alguém que seja especializado, ou seja, uma idéia de formação muito viciada e imprópria, inadequada. 
OE – E como avalia a proposta de jornada de 40 horas em uma mesma unidade?
Elie: a idéia de modificação das jornadas é ótima. A perspectiva de que docentes se fixem numa mesma escola é importante sob vários aspectos, como poder manter um contato e colaboração mais constante com sua equipe docente, estabelecer vínculos estreitos com a população com quem esse corpo docente lida - os estudantes ou familiares e pessoas que compõem as comunidades locais em que as escolas atuam. Então, a perspectiva de modificação de jornada que tende à fixação de docentes em uma escola é necessária, muito importante e prioritária. Mas também encaro a notícia com ceticismo. 
OE - O governo também anunciou a criação de uma Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo. O que pensa sobre isso?
Elie: a idéia da escola de formação parece uma proposta vaga, porque parece não haver sólidos fundamentos na secretaria Estadual de Educação para fazer formação de seu quadro docente. E não há um empenho de interação, em termos adequados, com as universidades para a formação docente. A tradição de relacionamento da SEE para com os estabelecimentos de ensino superior, quanto à formação docente, é uma relação muito aviltada, porque se coloca na perspectiva de terceirização, uma mera compra de serviços. Parece que estamos precisando de um conjunto articulado de várias iniciativas em torno de um sistema de formação do nosso magistério. Isso só pode ser conseguido com a disposição de trabalho conjunto na concepção e na execução desse empreendimento, que é formar nosso magistério. E há muito tempo nós não temos isso. Cada estabelecimento de nível superior que faz a formação inicial atua de maneira isolada. Não temos suficientes critérios e formas de controle dessa atuação. A maior parte de estabelecimentos de educação superior que habilita pessoas a trabalhar como docentes na educação básica atua por conta própria. Dessa forma não temos nem colaboração mútua entre estabelecimentos públicos e privados de nível superior, nem uma sintonia de formação entre esses centros de formação e os órgãos públicos responsáveis pela oferta dos serviços escolares. A alternativa da SEE de chamar a si a responsabilidade de formação do magistério é, na minha opinião, uma maneira de voltar as costas para essa necessidade de articular os vários centros existentes de formação do magistério. A vinculação entre essa formação e o exercício profissional a partir do concurso parece proposta arrogante. Parece que a secretaria se propõe substituir todo conjunto hoje disponível de centros de formação do magistério. É uma proposta, além de arrogante, difícil de ser implantada e, no mínimo, irracional, porque abandona essa necessidade de sintonia. Os estabelecimentos de educação superior que habilitam pessoas para lecionar em educação básica são, em geral, só tratados como prestadores de serviços a serem contratados para realizar tarefas segundo preferências da SEE. Isso não tem sido proveitoso, nem quantitativamente, porque não envolve todos os estabelecimentos que estão envolvidos na formação em serviço do magistério, e duvido que seja qualitativamente também, porque as preferências da secretaria não são postas para um debate livre e produtivo entre os centros mais experientes de formação do magistério. Questiono a capacidade da SEE de realizar essa formação por conta própria. A quem ela vai recorrer? Contratar serviços externos, pois os quadros próprios não são suficientes nem em quantidade nem em torno de proposta para realizar essa tarefa. 
OE - Quais as implicações da ausência de participação do professorado na formulação das políticas educacionais?
Elie: em relação à forma como as políticas surgiram é bastante questionável. Temos uma tradição autoritária no Brasil, de tomadas de decisões de política educacional sempre de cima para baixo. Não há consulta, muito menos envolvimento do magistério e da opinião pública de modo geral. Isso mantém a disparidade de perspectivas, ou seja, os níveis mais altos de autoridade pública sempre se colocam em contraposição ao magistério, numa posição impositiva para o exercício da profissão docente; restringem ao máximo a autonomia profissional e isso tem conseqüências em termos da baixa adesão dos profissionais aos programas e às medidas tomadas e em termos da própria produtividade do sistema escolar. Baixa adesão significa baixa responsabilidade e os resultados da nossa educação ficam muito prejudicados
Fonte: http://e-educador.com
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