terça-feira, 7 de outubro de 2008

Você “é” ou “está” professor?


*Brisa Teixeira
A paixão, a necessidade, o status, o comodismo, a vocação. Inúmeras razões levam uma pessoa a seguir a carreira de professor. Às vezes procuram por status e acabam se descobrindo apaixonados; outras vezes procuram pela paixão e com o tempo ficam acomodados. Os motivos que levam uma pessoa a ser ou estar professor são inúmeros e as vantagens e desvantagens não param na insatisfação ou realização pessoal de cada um; é o aluno quem vai se beneficiar ou não dessa escolha.
Muitos estão fazendo curso de formação de professores depois de adulto por acharem que nessa área não falta emprego. Há gente séria que tentou antes outras formas de contribuir com a reconstrução de um mundo mais justo e permaneceu pouco no emprego. Você deve, também, conhecer alguém que procurou a profissão porque trabalha menos e ganha-se proporcionalmente mais ou que estudou para fazer concurso para garantir uma estabilidade para o resto da vida. A diretora educacional da Província Marista do Brasil Centro-Sul – que congrega 16 colégios de várias regiões do Brasil – Ana Tereza Spolini, avalia todos esses tipos de professores espalhados no mercado, mas prefere não generalizar pensando que todos esses são simplesmente aproveitadores dos benefícios de uma profissão. “Já vi profissionais da educação que iniciaram sua vida com base nessas motivações e que se tornaram ‘professores vocacionados’. Com brilho no olho e tudo”, destacou. Segundo ela, em todos os ramos do trabalho há os que estão nele por conveniência ou por circunstâncias e há os que estão por opção. “Para ensinar crianças e adolescentes, professores são necessários. Professores que são, não professores que estão.” A diferença a partir da FilosofiaA Filosofia ajuda a entender a questão. Para o filósofo José Roberto Neves D'Amico aquele que "é professor" foi escolhido pela profissão e o que "está professor" a escolheu, talvez pelo "status", pela fantasia do poder que a profissão sugere, ou pela possibilidade de ser uma mera complementação de renda. Ou seja, conclui D’Amico, o "ser professor" é aquele que cativa naturalmente, que se empolga espontaneamente com a possibilidade de proporcionar aos alunos conteúdos que sejam apropriados às suas visualizações. “O aluno deve sair da sala de aula ou dos encontros com os professores, satisfeito com os conteúdos debatidos. Não estamos mais no tempo em que o aluno nada tem de importante a contribuir”, avalia o filósofo. Na prática, D’Amico acredita que exercer o “ser” professor é extremamente gratificante quando este contribuiu na formação pessoal e, por conseqüência, na formação de outros. Por exemplo, explica ele, o “ser professor” não deve tratar as várias turmas da mesma maneira, mesmo que a disciplina seja a mesma. As turmas são formadas por diferentes alunos e têm interesses e características diferentes. “O ‘ser professor’ deve ter sensibilidade para percebê-las e deve adaptar a disciplina às necessidades e perfil de cada turma, caso contrário, o professor não terá o respeito, a credibilidade e a simpatia devidos perante a turma. Se não o fizer, estará agindo de maneira homogênea, que é o status que o ‘estar professor’ dá às disciplinas que ministra”, diz. Investigação filosóficaPara a coordenadora do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças e professora universitária e de ensino médio do Estado, Dalva Garcia, esta suposta classificação entre ser e estar não é tão simples quando entra-se no terreno fértil, porém perigoso da investigação filosófica. “Se tomarmos como referência a filosofia aristotélica, o que chamamos de estado estaria na categoria do acidental e, portanto, distante das afirmações sobre a natureza ou essência das coisas que nos permitiria chegar aos conceitos relevantes ao nosso processo de conhecimento verdadeiro”, diz. Para ela, se abordar com rigor ou profundidade os fundamentos da filosofia aristotélica fica clara a pretensão filosófica de diferenciar a essência da aparência. “O fato é que esta distinção entre essência e aparência, entre natureza e estado é questionada na filosofia contemporânea”, articula. O exemplo mais contundente é o de Sartre, segundo ela. Para o filósofo francês, não poderíamos atribuir ao humano uma essência porque "a existência precede a essência". “Na existência, no nosso fazer, nos tornamos o que somos.” Dalva revela que a solução não seria se lamentar dos acidentes que o "jogaram" na sala de aula, mas pensar com seriedade sobre o que é possível fazer consigo e com os outros diante desse estado de coisas em que se envolveu, também, por escolha. “O cerne desse problema não seria o do ser ou do estar, mas, sim, perguntar com honestidade sobre o que nós estamos fazendo e por que fazemos da forma que estamos fazendo”, afirma. Para ela, não se trata de classificar quem é professor e afastar da ação educacional quem, por acidente, está professor, mas de refletir, com freqüência, se estando ainda quero ser. “Dessa forma, posso responder que não apenas já estive nas duas situações. Mesmo porque isso é fundamental para repensarmos nossa ação educacional e nossos anseios e perspectivas pessoais e profissionais.” Os tipos de professores nas IESA professora de Filosofia da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doroti Martins, avalia os diferentes tipos de docentes das universidades. Para ela há basicamente duas figuras. O primeiro é aquele educador de fato, que se preocupa com os alunos, que dialoga, tem conhecimento “fantástico” na sua área específica e se preocupa com a questão pedagógica. “Esses são excelentes mestres”, diz. No entanto, ela avalia o outro estereótipo que procura a academia não com a mesma dedicação e competência que cabe na atuação como professor, mas porque o seu maior objetivo ali é pela pesquisa. “Como o Brasil é um País que não investe em cultura, um dos únicos lugares que resta para desenvolver a pesquisa é permanecer nas universidades, principalmente, as públicas”, avalia Doroti, que já foi secretária de educação do município de Florianópolis. O professor de escola públicaEla cita, ainda, outros professores, como aqueles que ensinam por conta do status ou procuram a segurança financeira. A busca pela estabilidade é um ponto forte de professores que procuram a rede pública, mas segundo Doroti, é visível o grande número de educadores que fazem questão de trabalhar nestas escolas por princípio e compromisso com o serviço. “As condições de trabalho na escola pública estão num nível de deteriorização absurdo, o alunado possui um grau de complexidade muito maior”, diz. Ela explica que os contratos desses professores acabam se limitando às horas/aula em sala de aula, não permitindo pagamentos extras de hora atividade para o professor planejar e programar as suas aulas. “Esses professores, sim, que passam por todos esses problemas, seguramente ‘são professores’, independente se busca nestas escolas a estabilidade”, afirmou. O profissional liberalJá os profissionais liberais, que procuram a docência para receber um extra a mais ou porque não conseguiram colocação no mercado de trabalho, esses “estão professores”, na opinião de Doroti e não podem ser chamados de educadores no sentido pleno da palavra. “É uma questão estrutural no mundo do trabalho, não são educadores”, diz. “Para ser grande é preciso ser inteiro”O professor de Inglês do Colégio São Luís, em São Paulo, José Garcia Ghirardi, começou a lecionar aos 23 anos. Antes disso, achava que a sua vocação era para ser advogado. Já nos primeiros anos nesta carreira, percebeu que não era bem aquilo que queria para a sua vida. A docência apareceu na sua vida por acaso, quando no Colégio São Luís, foi cobrir como professor substituto numa situação emergencial e nunca mais saiu. Já são 21 anos na mesma instituição. “Me senti tão à vontade em sala de aula, neste dia, que resolvi apostar na carreira de professor”, conta. Por aí não se tem dúvidas que Ghirardi “é” professor e neste processo ele diz que trabalha sempre visando o coletivo. “A aula não é só o professor. A aula é a história dos alunos que está acontecendo. O professor tem que perceber que a aula tem uma significação humana para os alunos.” Para ele, “ser” professor é diferente de “estar” professor, principalmente, no que tange respeitar a diversidade de seus alunos. “Todo ser humano possui características diferentes e é importante que a escola acolha esta diversidade, não tem forma para ser professor, como não tem forma para ser aluno”. E quando Ghirardi exerce as suas atividades como professor, ele conta que sempre lembra da frase de Fernando Pessoa: “Para ser grande é preciso ser inteiro”.

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